terça-feira, 30 de agosto de 2011

O abandono do CAPs na gestão municipal

30/8/2011 17h43 - Recentemente o Ministro da Saúde e o coordenador nacional de saúde mental, Alexandre Padilha e Roberto Tykanori, respectivamente, escreveram em conjunto um artigo que foi publicado no jornal Estado de São Paulo (caderno A2, Espaço aberto, de 30 de agosto de 2011) que trata sobre a questão dos usuários de álcool e crack no Brasil e o caminho a ser tomado para evitar que a catástrofe social exposta nas grandes cidades chegue ao restante do país com a mesma intensidade.

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo durante 12 anos acompanharam 107 usuários de crack e chegaram aos seguintes dados: 32% estavam em abstinência, 20,6 haviam morrido (a maioria devido à violência), 10% estavam presos, 16,8% continuavam a usar crack e 20% estão desaparecidos. Estes dados mostram a dificuldade em lidar com esta droga.

Sabe-se que o uso de droga é algo que sempre existiu na história da humanidade e que a proposta de abstinência só alcança a 30% das pessoas, em qualquer parte do mundo. Assim, em saúde pública, o maior investimento para o cuidado ao usuário de álcool e droga é a redução de danos e a estruturação de uma rede de cuidados, desde a atenção básica até os postos de inclusão social, passando pelos serviços substitutivos, os Caps.

O Ministro Padilha e o coordenador de saúde mental Roberto Tykanori estão propondo uma parceria com a sociedade, com os estados e municípios, um esforço para que não se tenha que optar por um dos dois modelos: ambulatório e clínica de internação prolongada. Para eles devem-se usar vários modelos e estratégias que possam minimizar a dor destas pessoas, dos seus familiares e da sociedade.

Desta forma o Ministério da Saúde está oferecendo várias opções aos estados e municípios para que estes se municiem de informação e estruturas para cuidar destas pessoas: capacitação de profissionais, consultório de rua, enfermarias especializadas e ampliação do horário de funcionamento dos CAPD ad para 24 horas.

Infelizmente, em Jacobina, percebemos que a estrutura que foi iniciada para a implantação da rede de cuidados em AD e saúde mental estão sendo estraçalhada desde janeiro de 2009. A equipe mínima exigida por lei para que os serviços recebam o repasse do recurso federal nunca foi cumprida de janeiro de 2009 até os dias de hoje. O carro que possibilitava as visitas domiciliares, simplesmente indispensáveis num CAPS AD, está limitado a dois turnos por semana. As oficinas terapêuticas que devem ter pelo menos 6 oficineiros trabalhando 40 horas, já estiveram praticamente sem atividade e hoje contam com apenas 4 oficineiros trabalhando em 20 horas semanais. A cozinha fechou, o serviço ficou sem internet, não existem materiais nem profissionais para realizarem oficinas terapêuticas. O que pode atrair os usuários de álcool e outras drogas, especialmente crack, a um serviço com tal estrutura?

O Centro de Convivência e Cultura Quilombo Erê (sem custo para a prefeitura), primeiro espaço de convivência para usuários de caps no estado da Bahia, foi fechado em janeiro de 2009, anulando o espaço de alta para os pacientes dos dois caps e dificultando a atuação das equipes junto à comunidade. Os usuários dos caps, que tinham acesso quinzenal ao centro cultural para sessão de cinema, não são mais aceitos por lá, numa clara ação de preconceito.

A Sesab, numa intervenção da área Técnica de Saúde Mental, em 2010, após a queixa de um usuário a ouvidoria do SUS, tentou fazer o possível para readequar os serviços, mas foi tudo em vão, os profissionais continuam sem ter apoio da gestão, e os usuários, especialmente os vinculados ao Caps AD, desamparados. Alguns já buscaram até espaços fechados, internação em clínicas religiosas, que não têm suporte técnico e os resultados são muito ruins, por completo desespero das famílias.

Alguns dos profissionais que nos ajudaram a estruturar estes serviços sempre estiveram à disposição para continuar ajudando, mas não têm mais acesso, por conta da politicagem que reina na mente dos gestores locais. O psicólogo João Martins, que esteve conosco em eventos dos serviços em Jacobina, hoje coordena o única CAPS AD III ia AD Bahia, em Salvador. A psicóloga e assistente social Patrícia Flach, que abriu as portas do Caps AD de Salvador para nossas equipes em 2006, trabalha no CETAD, junto ao grande psiquiatra baiano Dr. Antônio Nery Filho.

Nossa amiga Mabel Jansen, Terapêuta Ocupacional, que atuou conosco nos Caps de Jacobina, hoje coordena um grupo de rua do Cetad, assistindo usuários de crack. Thiago Melo, psicólogo e amigo que estruturou um bom trabalho no corredor da morte do mercado de Jacobina e na implantação do Quilombo Erê, hoje atua no caps II de Pau da Lima. Sua esposa, Simone Calatrone, também psicóloga e especialista em psicologia infanto-juvenil, coordenava o ambulatório de psicologia infanto-juvenil (também exterminado nesta gestão, deixando centenas de crianças desassistidas) no CAPS II de Jacobina e hoje atua no Caps ia de Salvador. A enfermeira Aline Cecília, que foi nossa coordenadora técnica no CAPS AD, jacobinense, aprovada em seletivo, preferiu sair a continuar a trabalhar nas condições em que se encontrava o Caps AD depois de 2009. Hoje coordena o Caps I de Capim Grosso, onde é concursada, especialista em saúde mental.

O psicólogo Danilo Cruz foi o coordenador do Caps AD , hoje especialista em saúde mental e em psicologia analítica, mestre em História das ciências, ensina e supervisiona um curso de psicologia na Faculdade da Cidade do Salvador. A assistente social Sônia Libório, atua no Caps I de Pindobaçu, a psicóloga Karine Petersen e a enfermeira Denise Castro, atuam no Caps II de Pau da Lima, em Salvador.

Todos eles e mais uns tantos profissionais e amigos capazes, que atuaram na implantação dos caps de Jacobina, incluindo nossos excelentes, responsáveis e implicados oficineiros, tendo todos passados nos seletivos na prefeitura de Jacobina, depois tantos deles fizeram especialização e passaram em seletivos em Salvador e outras cidades da Bahia, estariam ajudando aos serviços de saúde mental de Jacobina, caso fossem solicitados e a politicagem medíocre não fosse a tônica desta gestão.

Com certeza temos grandes e dedicados profissionais nos caps de Jacobina ainda hoje, que entraram por seletivos, mas, não têm apoio para fazer o que sabem: estruturar uma rede de cuidados que vá além das consultas especializadas, ou seja, fazer atenção psicossocial. A mais de ano a coordenação de saúde mental está acéfala e os profissionais tendo que aturar todo o tipo de ingerência e patrulhamento político, impedindo-os até de participarem de estudo com colegas de outros municípios.

Assim, fico imaginando como o esforço do governo federal para minimizar a trágica situação que o crack tem proporcionado no país pode chegar a Jacobina? Se nem mesmo a equipe mínima de profissionais exigida para os CAPS está estruturada. Mesmo depois de uma supervisão da Sesab propondo que se cumpra o mínimo, nada mudou, o que será que fará mudar? O corte do repasse dos recursos federais? Mais dinheiro? Não sei.

Esperamos que pelo menos deixem os profissionais fazerem o que sabem, mesmo nas péssimas condições de trabalho a que são submetidos, pois os políticos metidos na área técnica de saúde já estão fazendo a única coisa que entendem: atrapalhar, colocar cabos eleitorais nos serviços para vigiar profissional, desviar a aplicação dos recursos específicos.

Jacobina, 30 de agosto de 2011
Cledson Sady

Fonte: http://www.corinourgente.com/

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