terça-feira, 30 de agosto de 2011

O abandono do CAPs na gestão municipal

30/8/2011 17h43 - Recentemente o Ministro da Saúde e o coordenador nacional de saúde mental, Alexandre Padilha e Roberto Tykanori, respectivamente, escreveram em conjunto um artigo que foi publicado no jornal Estado de São Paulo (caderno A2, Espaço aberto, de 30 de agosto de 2011) que trata sobre a questão dos usuários de álcool e crack no Brasil e o caminho a ser tomado para evitar que a catástrofe social exposta nas grandes cidades chegue ao restante do país com a mesma intensidade.

Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo durante 12 anos acompanharam 107 usuários de crack e chegaram aos seguintes dados: 32% estavam em abstinência, 20,6 haviam morrido (a maioria devido à violência), 10% estavam presos, 16,8% continuavam a usar crack e 20% estão desaparecidos. Estes dados mostram a dificuldade em lidar com esta droga.

Sabe-se que o uso de droga é algo que sempre existiu na história da humanidade e que a proposta de abstinência só alcança a 30% das pessoas, em qualquer parte do mundo. Assim, em saúde pública, o maior investimento para o cuidado ao usuário de álcool e droga é a redução de danos e a estruturação de uma rede de cuidados, desde a atenção básica até os postos de inclusão social, passando pelos serviços substitutivos, os Caps.

O Ministro Padilha e o coordenador de saúde mental Roberto Tykanori estão propondo uma parceria com a sociedade, com os estados e municípios, um esforço para que não se tenha que optar por um dos dois modelos: ambulatório e clínica de internação prolongada. Para eles devem-se usar vários modelos e estratégias que possam minimizar a dor destas pessoas, dos seus familiares e da sociedade.

Desta forma o Ministério da Saúde está oferecendo várias opções aos estados e municípios para que estes se municiem de informação e estruturas para cuidar destas pessoas: capacitação de profissionais, consultório de rua, enfermarias especializadas e ampliação do horário de funcionamento dos CAPD ad para 24 horas.

Infelizmente, em Jacobina, percebemos que a estrutura que foi iniciada para a implantação da rede de cuidados em AD e saúde mental estão sendo estraçalhada desde janeiro de 2009. A equipe mínima exigida por lei para que os serviços recebam o repasse do recurso federal nunca foi cumprida de janeiro de 2009 até os dias de hoje. O carro que possibilitava as visitas domiciliares, simplesmente indispensáveis num CAPS AD, está limitado a dois turnos por semana. As oficinas terapêuticas que devem ter pelo menos 6 oficineiros trabalhando 40 horas, já estiveram praticamente sem atividade e hoje contam com apenas 4 oficineiros trabalhando em 20 horas semanais. A cozinha fechou, o serviço ficou sem internet, não existem materiais nem profissionais para realizarem oficinas terapêuticas. O que pode atrair os usuários de álcool e outras drogas, especialmente crack, a um serviço com tal estrutura?

O Centro de Convivência e Cultura Quilombo Erê (sem custo para a prefeitura), primeiro espaço de convivência para usuários de caps no estado da Bahia, foi fechado em janeiro de 2009, anulando o espaço de alta para os pacientes dos dois caps e dificultando a atuação das equipes junto à comunidade. Os usuários dos caps, que tinham acesso quinzenal ao centro cultural para sessão de cinema, não são mais aceitos por lá, numa clara ação de preconceito.

A Sesab, numa intervenção da área Técnica de Saúde Mental, em 2010, após a queixa de um usuário a ouvidoria do SUS, tentou fazer o possível para readequar os serviços, mas foi tudo em vão, os profissionais continuam sem ter apoio da gestão, e os usuários, especialmente os vinculados ao Caps AD, desamparados. Alguns já buscaram até espaços fechados, internação em clínicas religiosas, que não têm suporte técnico e os resultados são muito ruins, por completo desespero das famílias.

Alguns dos profissionais que nos ajudaram a estruturar estes serviços sempre estiveram à disposição para continuar ajudando, mas não têm mais acesso, por conta da politicagem que reina na mente dos gestores locais. O psicólogo João Martins, que esteve conosco em eventos dos serviços em Jacobina, hoje coordena o única CAPS AD III ia AD Bahia, em Salvador. A psicóloga e assistente social Patrícia Flach, que abriu as portas do Caps AD de Salvador para nossas equipes em 2006, trabalha no CETAD, junto ao grande psiquiatra baiano Dr. Antônio Nery Filho.

Nossa amiga Mabel Jansen, Terapêuta Ocupacional, que atuou conosco nos Caps de Jacobina, hoje coordena um grupo de rua do Cetad, assistindo usuários de crack. Thiago Melo, psicólogo e amigo que estruturou um bom trabalho no corredor da morte do mercado de Jacobina e na implantação do Quilombo Erê, hoje atua no caps II de Pau da Lima. Sua esposa, Simone Calatrone, também psicóloga e especialista em psicologia infanto-juvenil, coordenava o ambulatório de psicologia infanto-juvenil (também exterminado nesta gestão, deixando centenas de crianças desassistidas) no CAPS II de Jacobina e hoje atua no Caps ia de Salvador. A enfermeira Aline Cecília, que foi nossa coordenadora técnica no CAPS AD, jacobinense, aprovada em seletivo, preferiu sair a continuar a trabalhar nas condições em que se encontrava o Caps AD depois de 2009. Hoje coordena o Caps I de Capim Grosso, onde é concursada, especialista em saúde mental.

O psicólogo Danilo Cruz foi o coordenador do Caps AD , hoje especialista em saúde mental e em psicologia analítica, mestre em História das ciências, ensina e supervisiona um curso de psicologia na Faculdade da Cidade do Salvador. A assistente social Sônia Libório, atua no Caps I de Pindobaçu, a psicóloga Karine Petersen e a enfermeira Denise Castro, atuam no Caps II de Pau da Lima, em Salvador.

Todos eles e mais uns tantos profissionais e amigos capazes, que atuaram na implantação dos caps de Jacobina, incluindo nossos excelentes, responsáveis e implicados oficineiros, tendo todos passados nos seletivos na prefeitura de Jacobina, depois tantos deles fizeram especialização e passaram em seletivos em Salvador e outras cidades da Bahia, estariam ajudando aos serviços de saúde mental de Jacobina, caso fossem solicitados e a politicagem medíocre não fosse a tônica desta gestão.

Com certeza temos grandes e dedicados profissionais nos caps de Jacobina ainda hoje, que entraram por seletivos, mas, não têm apoio para fazer o que sabem: estruturar uma rede de cuidados que vá além das consultas especializadas, ou seja, fazer atenção psicossocial. A mais de ano a coordenação de saúde mental está acéfala e os profissionais tendo que aturar todo o tipo de ingerência e patrulhamento político, impedindo-os até de participarem de estudo com colegas de outros municípios.

Assim, fico imaginando como o esforço do governo federal para minimizar a trágica situação que o crack tem proporcionado no país pode chegar a Jacobina? Se nem mesmo a equipe mínima de profissionais exigida para os CAPS está estruturada. Mesmo depois de uma supervisão da Sesab propondo que se cumpra o mínimo, nada mudou, o que será que fará mudar? O corte do repasse dos recursos federais? Mais dinheiro? Não sei.

Esperamos que pelo menos deixem os profissionais fazerem o que sabem, mesmo nas péssimas condições de trabalho a que são submetidos, pois os políticos metidos na área técnica de saúde já estão fazendo a única coisa que entendem: atrapalhar, colocar cabos eleitorais nos serviços para vigiar profissional, desviar a aplicação dos recursos específicos.

Jacobina, 30 de agosto de 2011
Cledson Sady

Fonte: http://www.corinourgente.com/

Porque a Ética é Importante - Stephen Kanitz


Antigamente, moral e ética eram transmitidas às novas gerações pelas classes dominantes, pela aristocracia, pelos intelectuais, escritores e artistas. Era uma época em que os nobres eram nobres, exemplos a ser seguidos por todos.
Hoje, isso mudou. Nossas lideranças políticas, acadêmicas e empresariais não são mais "nobres", nem se preocupam em transmitir valores morais às futuras gerações.
Nossa televisão só pensa em lucro, seus donos não têm nenhuma preocupação em ser respeitados pelos seus pares.
Não existe mais o “noblesse oblige”, a obrigação dos nobres, como antigamente. Poetas brasileiros até enaltecem os nossos "heróis sem caráter". Hoje, quem quiser adquirir valores morais e éticos neste mundo "moderno" terá de aprender as regras sozinho.
Portanto, para não perder mais tempo, vamos começar com a primeira lição. Vou mostrar a importância de criar um código de ética com um exemplo real. Um estudo de caso.
Vou romancear os personagens para os proteger, mas a história é verdadeira.
Um amigo de infância, o Zeca, casou-se com a garota mais linda de nossa turma. Que para piorar a situação tinha uma irmã mais nova e ainda mais bonita de 16 anos. Nosso comentário na época era que ele estava casando com a irmã errada, mas no fundo estávamos todos morrendo de inveja.
Após dois anos de casado, o Zeca acabou transando com a linda cunhada. E óbvio foi prontamente descoberto pela esposa. Foi o escândalo da cidade. Só falamos disso por seis meses. Ele se desculpou todo envergonhado dizendo: "Não sei o que passou pela minha cabeça, ela simplesmente se entregou".
Fato mais comum do que se imagina, fruto de uma rivalidade não resolvida entre belas irmãs.
Muitos anos depois, cada vez que encontrávamos o Zeca tentávamos disfarçar nosso sorriso malicioso. Mesmo vinte anos se passando, toda vez que eu o encontro, a primeira imagem que me vem à mente é:
"Lá vem o Zeca, aquele que transou com a cunhada".
Eu sei que Isso é totalmente injusto de minha parte, afinal seu crime não durou mais que meia hora, e ele nunca voltou a repeti-lo. Já sofreu e pagou seu pecado, se separou, perdeu metade do seu patrimônio e mesmo assim, vinte anos depois, nós ainda o estávamos condenando.
Pelas leis brasileiras, ele já teria cumprido uma pena, seria perdoado e ponto final.
Esta é a diferença entre leis e ética. Ética não tem ponto final. Ética não tem perdão, nem cumprimento de pena. Transgredir a ética é uma mancha para sempre. Um horror!
Por isso as gerações mais velhas criam uma moral e uma ética, uma religião, uma filosofia de vida. Para ser transmitida às novas gerações para que elas não façam besteiras que possam marcá-las para o resto da vida.
Transgredir a moral e a ética de sua comunidade traz penas bem mais severas que transgredir as leis de seu país. Agora, ter uma religião e não seguir os preceitos que ela advoga, algo que ocorre com frequência, é o pior dos dois mundos: aí você não procura uma ética melhor que o satisfaça nem segue a ética determinada por sua religião.
Só o caso termina ainda pior. Na semana passada ligou um amigo de meu filho e anotei o recado:
–O Alfredo, filho do Zeca, te ligou.
– O Zeca, aquele que papou a cunhada? – disse meu filho com um sorriso malicioso.
Acho que ninguém de nossa turma tem hoje inveja do Zeca.
Ele não somente pagou o preço, mas esse preço vai ser pago agora por seus filhos, netos e talvez bisnetos. Posso até imaginar daqui a trinta anos um comentário desses:
Aquele não é o neto do Zeca, aquele que foi pego na cama com a cunhada?
Os filhos, netos e bisnetos de nossos políticos, homens públicos, líderes e artistas que romperam com a ética terão de conviver com o eterno tititi sobre seus pais e nunca saberão dos comentários ditos pelas costas.
Se você tem uma religião e não a pratica, se você odeia as pregações de moralidade que seus pais lhe impõem, isso não o exime de procurar um sistema de referência melhor para sua vida, seja uma outra religião, seja uma conduta filosófica, seja um simples livro de auto ajuda.
As consequências podem ser muito mais severas que as leis impostas pelo Estado, como descobriu meu querido amigo Zeca, aquele que transou com a cunhada.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)

Artigo Publicado na Revista Veja, edição 1733, ano 35, nº1, 9 de Janeiro de 2002.

Fonte: http://br.mg6.mail.yahoo.com/neo/launch?.rand=ckc5tbcr3o559

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O brasileiro come veneno.


Silvio Tendler

Silvio Tendler é um especialista em documentar a história brasileira. Já o fez a partir de João Goulart, Juscelino Kubitschek, Carlos Mariguela, Milton Santos, Glauber Rocha e outros nomes importantes. Em seu último documentário, Silvio não define nenhum personagem em particular, mas dá o alerta para uma grave questão que atualmente afeta a vida e a saúde dos brasileiros: o envenenamento a partir dos alimentos.
Em O veneno está na mesa, lançado em julho, no Rio de Janeiro, o documentarista mostra que o Brasil está envenenando diariamente sua população a partir do uso abusivo de agrotóxicos nos alimentos. Em umranking para se envergonhar, o brasileiro é o que mais consome agrotóxico em todo o mundo, sendo 5,2 litros a cada ano por habitante. As consequências, como mostra o documetário, são desastrosas.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Silvio Tendler diz que o problema está no modelo de desenvolvimento brasileiro. E seu filme, que também é um produto da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, capitaneada por uma dezena de movimentos sociais, nos leva a uma reflexão sobre os rumos desse modelo. Confira.
Brasil de Fato – Você que é um especialista em registrar a história do Brasil, por que resolveu documentar o impacto dos agrotóxicos sobre a agricultura e não um outro tema nacional?
Silvio Tendler – Porque a partir de agora estou querendo discutir o futuro e não mais o passado. Eu tenho todo o respeito pelo passado, adoro os filmes que fiz, adoro minha obra. Aliás, meus filmes não são voltados para o passado, são voltados para uma reflexão que ajuda a construir o presente e, de uma certa forma, o futuro. Mas estou muito preocupado. Na verdade esse filme nasceu de uma conversa minha com (o jornalista e escritor) Eduardo Galeano, em Montevidéu (no Uruguai), há uns dois anos, em que discutíamos o mundo, o futuro, a vida. E o Galeano estava muito preocupado porque o Brasil é o país que mais consumia agrotóxico no mundo. O mundo está sendo completamente intoxicado por uma indústria absolutamente desnecessária e gananciosa, cujo único objetivo realmente é ganhar dinheiro. Quer dizer, não tem nenhum sentido para a humanidade que justifique isso que se está fazendo com os seres humanos e a própria terra. A partir daí resolvi trabalhar essa questão. Conversei com o João Pedro Stédile (coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), e ele disse que estavam preocupados com isso também. Por coincidência, surgiu a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos, movida por muitas entidades, todas absolutamente muito respeitadas e respeitáveis. Fizemos a parceria e o filme ficou pronto. É um filme que vai ter desdobramentos, porque eu agora quero trabalhar essas questões.
Então seus próximos documentários deverão tratar desse tema?
Para você ter uma ideia, no contrato inicial desse documentário consta que ele seria feito em 26 minutos, mas é muita coisa para falar. Então ficou em 50 (minutos). E as pessoas quando viram o filme, ao invés de me dizerem “está muito longo”, disseram “está curto, você tem que falar mais”. Quer dizer, tem que discutir outras questões, e aí eu me entusiasmei com essa ideia e estou querendo discutir temas conexos à destruição do planeta por conta de um modelo de desenvolvimento perverso que está sendo adotado. Uma questão para ser discutida de forma urgente, que é conexa a esse filme, é o agronegócio. É o modelo de desenvolvimento brasileiro. Quer dizer, porque colocar os trabalhadores para fora da terra deles para que vivam de forma absolutamente marginal, provocando o inchaço das cidades e a perda de qualidade de vida para todo mundo, já que no espaço onde moravam cinco, vão morar 15? Por que se plantou no Brasil esse modelo que expulsa as pessoas da terra para concentrar a propriedade rural em poucas mãos, esse modelo de desenvolvimento, todo ele mecanizado, industrializado, desempregando mão de obra, para que algumas pessoas tenham um lucro absurdo? E tudo está vinculado à exploração predatória da terra. Por que nós temos que desenvolver o mundo, a terra, o Brasil em função do lucro e não dos direitos do homem e da natureza? Essas são as questões que quero discutir.
Você também mostrou que, até mesmo os trabalhadores que não foram expulsos do campo, estão morrendo por aplicarem agrotóxicos nas plantações. O impacto na saúde desses agricultores é muito grande…
É mais grave que isso. Na verdade, o cara é obrigado a usar o agrotóxico. Se ele não usar o agrotóxico, ele não recebe o crédito do banco. O banco não financia a agricultura sem agrotóxico. Inclusive, tem um camponês que fala isso no filme, o Adonai. Ele conta que no dia em que o inspetor do banco vai à plantação verificar se ele comprou os produtos, se você não tiver as notas da semente transgênica, do herbicida, etc., você é obrigado a devolver o dinheiro. Então não é verdade que se dá ao camponês agricultor o direito de dizer “não quero plantar transgênico”, “não quero trabalhar com herbicidas”, “quero trabalhar com agricultura orgânica, natural”. Porque para o banco, a garantia de que a safra vai vingar não é o trabalho do camponês e a sua relação com a terra, são os produtos químicos que são usados para afastar as pestes, afastar pragas. Esse modelo está completamente errado. O camponês não tem nenhum tipo de crédito alternativo, que dê a ele o direito de fazer um outro tipo de agricultura. E aí você deixa as pessoas morrendo como empregadas do agronegócio, como tem o Vanderlei, que é mostrado no filme. Depois de três anos fazendo a tal da mistura dos agrotóxicos, morreu de uma hepatopatia grave. Tem outra senhora, de 32 anos, que está ficando totalmente paralítica por conta do trabalho dela com agrotóxico na lavoura do fumo.
A impressão que dá é que os brasileiros estão se envenenando sem saber. Você acha que o filme pode contribuir para colocar o assunto em discussão?
Eu acho que a discussão é exatamente essa, a discussão é política. Eu, de uma certa maneira, despolitizei propositadamente o documentário. Eu não queria fazer um discurso em defesa da reforma agrária ou contra o agronegócio para não politizar a questão, para não parecer que, na verdade, a gente não quer comer bem, a gente quer dividir a terra. E são duas coisas que, apesar de conexas, eu não quis abordar. Eu não quis, digamos assustar a classe média. Eu só estou mostrando os malefícios que o agrotóxico provoca na vida da gente para que a classe média se convença de que tem que lutar contra os agrotóxicos, que é uma luta que não é individual, é uma luta coletiva e política. Tem muita gente que parte do princípio “ah, então já sei, perto da minha casa tem uma feirinha orgânica e eu vou me virar e comer lá”, porque são pessoas que têm maior poder aquisitivo e poderiam comprar. Mas a questão não é essa. A questão é política, porque o agrotóxico está infiltrado no nosso cotidiano, entendeu? Queira você ou não, o agrotóxico chega à sua mesa através do pão, da pizza, do macarrão. O trigo é um trigo transgênico e chega a ser tratado com até oito cargas de pulverizador por ano. Você vai na pizzaria comer uma pizza deliciosa e aquilo ali tem transgênico. O que você está comendo na sua mesa é veneno. Isso independe de você. Hoje nada escapa. Então, ou você vai ser um monge recluso, plantando sua hortinha e sua terrinha, ou você é uma pessoa que vai ficar exposta a isso e será obrigada a consumir.
Como você avalia o governo Dilma a partir dessa política de isenção fiscal para o uso de agrotóxico no campo brasileiro?
Deixa eu te falar: o governo Dilma está começando agora, não tem nem um ano, então não dá para responsabilizá-la por essa política. Na verdade esse filme vai servir de alerta para ela também. Muitas das coisas que são ditas no filme, eles (o governo) não têm consciência. Esse filme não é para se vingar de ninguém. É para alertar. Quer dizer, na verdade você mora em Brasília, você está longe do mundo, e alguém diz para você “ah, isso é frescura da esquerda, esse problema não existe”, e os relatórios que colocam na sua mesa omitem as pessoas que estão morrendo por lidar diretamente com agrotóxico. Vão todas (as mortes) para as vírgulas das estatísticas, entendeu? Acho que está na hora de mostrar que muitas vidas não seriam sacrificadas se a gente partisse para um modelo de agricultura mais humano, mais baseado nos insumos naturais, no manejo da terra, ao invés de intoxicar com veneno os rios, os lagos, os açudes, as pessoas, as crianças que vivem em volta, entendeu? Eu acho que seria ótimo se esse filme chegasse nas mãos da presidenta e ela pudesse tomar consciência desse modelo que nós estamos vivendo e, a partir daí, começasse a mudar as políticas.
No documentário você optou por não falar com as empresas produtoras de agrotóxicos. Essa ideia ficou para um outro documentário?
É porque eu não quis fazer um filme que abrisse uma discussão técnica. Se as empresas reclamarem muito e pedirem para falar, eu ouço. Eu já recebi alguns pedidos e deixei as portas abertas. No Ceará, eu filmei um cara que trabalha com gado leiteiro que estava morrendo contaminado por causa de uma empresa vizinha. Eu filmei, a empresa vizinha reclamou e eu deixei a porta aberta, dizendo “tudo bem, então vamos trabalhar em breve isso num outro filme”. Se as empresas que manipulam e produzem agrotóxico me chamarem para conversar, eu vou. E vou me basear cientificamente na questão porque eles também são craques em enrolar. Querem provar que você está comendo veneno e tudo bem (risos). E eu preciso de subsídios para dizer que não, que aquele veneno não é necessário para a minha vida. Nesse primeiro momento, eu quis botar a discussão na mesa. Algumas pessoas já começaram a me assustar, “você vai tomar processo”, mas eu estou na vida para viver. Se o cara quiser me processar por um documentário no qual eu falei a verdade, ele processa pois tem o direito. Agora, eu tenho direito como cineasta, de dizer o que eu penso.
Esse filme será lançado somente no Rio de Janeiro ou em outras capitais também?
Eu estou convidado também para ir para Pernambuco em setembro, mas o filme pode acontecer independente de mim. Esse filme está saindo com o selinho de “copie e distribua”. Ele não será vendido. A gente vai fazer algumas cópias e distribuir dentro do sentido de multiplicação, no qual as pessoas recebem as cópias, fazem novas e as distribuem. O ideal é que cada entidade, e são mais de 20 bancando a Campanha, consiga distribuir pelo menos mil unidades. De cara você tem 20 mil cópias para serem distribuídas. E depois nós temos os estudantes, os movimentos sociais e sindicais, os professores. Vai ser uma discussão no Brasil. Temos que levar esse documentário para Brasília, para o Congresso, para a presidenta da República, para o ministro da Agricultura, para o Ibama. Todo mundo tem que ver esse filme.
A expectativa é boa então?
Sim. Eu sou um otimista. Sempre fui.
* Publicado originalmente no site Brasil de Fato.
(Brasil de Fato)
Fonte: http://almacks.blogspot.com/2011/08/o-brasileiro-come-veneno.html

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Com a produção de ouro Jacobina torna-se o nono município exportador da Bahia, ultrapassando Barreiras. E quanto consumiu de Cianeto?


Barragens de rejeitos da Yamana Gold em Jacobina


Com a produção de ouro Jacobina torna-se o nono município exportador da Bahia, ultrapassando Barreiras. E quanto consumiu de Cianeto?
Barragens de rejeitos da Yamana Gold em Jacobina

Segundo dados divulgados esta semana pelo Governo do Estado, diversos municípios baianos elevaram as vendas externas durante o primeiro semestre deste ano. Com vendas totais de US$ 4,9 bilhões em seis meses, a Bahia teve alta de 18,4% na comparação com o mesmo período de 2010.

O município de Jacobina teve um incremento ainda maior, alcançando um percentual de crescimento de 64% nas suas exportações, devido, principalmente, às vendas externas de ouro feitas pela empresa Yamana Gold, que administra as minas da Jacobina Mineração e Comércio.

Entre os dez principais municípios exportadores, Jacobina superou o município de Barreiras, ficando com o 9° lugar em volume de exportação. Além de Jacobina e Barreiras, tem ainda Camaçari, São Francisco do Conde, Mucuri, Dias D’Ávila, Luís Eduardo Magalhães, Eunápolis, Ilhéus, Candeias que ocupam as oito primeiros posições no ranking da Coordenação de Acompanhamento Conjuntural da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI).

A OCMAL - Observatório de Conflitos Minerais da América Latina, diz que, para extrair um quilo de ouro, leva uma média de 140-160 quilos de cianeto sódio e pode contaminar regiões remotas para 2000 km do local do lançamento.

Estar em contato com o cianeto, quer no estado líquido, sólido ou gasoso o corpo absorve rapidamente na pele e das mucosas. Sem no entanto, ainda é perigoso quando inalado, porque distribui mais rapidamente no corpo. Em caso de doses letais, cianeto impede a respiração dos seres vivos. Esta falta de respiração impede o transporte de oxigênio pelo sangue e que ponha à morte por prisão ou cardíaco respiratório. Diz-se que o morre intoxicado de "asfixia interna".

Para um adulto, quantidades muito pequenas são suficientes para causar-lhes morte: a inalação insuficiente de 50 mg (um ou dois grãos de arroz) de vapor cianeto de hidrogênio, ou ingestão de 200 a 300 mg (5 a dez grãos de arroz) sodio45 cianeto.

Para produzir 25 kg de ouro gera:
50 mil toneladas de resíduos sólidos
• 240 toneladas de dióxido de carbono (o equivalente a uma viagem de 1,3 milhões milhas de carro)

E consome em média:
35,5 milhões de litros de água, o que corresponde a um consumo de 400 litros por segundo
• 4 toneladas de cianeto

Por todos estes motivos o processamento de ouro através do cianeto não é mais permitido na Europa.

Procure fazer uma análise quantos de quilos de ouro a Yamana Gold produziu em Jacobina e faça a média de quantas toneladas de cianeto foi para o lençol freático do Itapicuru Mirim chegando até a sua foz no Atlântico Norte, na localidade do Conde na linha verde.

Fonte: http://almacks.blogspot.com/2011/08/com-producao-de-ouro-jacobina-torna-se.html

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Por uma cidade Severina


Foto: Rodrigo Pinho (http://www.flickr.com/photos/rodrigopinho/2197485300/in/faves-ericksonbatista/)

Severina, morta em vida, cantada por João Cabral,
Reclama dos que agonizam e não mudam para seu lado.
Pois assim, unidos, todos mortos, garante; a ninguém chegará o mal.

Já pensaram que beleza, uma cidade só de mortos?
Alguns, pouco mais vivos, governariam sem agonia,
Sem besteira contra poeira, ninguém teria alergia.
E se tivesse? Que fazer se a cidade não tem serviço de alergologia?
O negócio aqui é sem Samu, Upa nem UTI.
O negócio mesmo é micareta em ano de eleição. Morto vive é de Alegria.

Para que tanto doutor de branco, se morto gosta é de engenharia?
O negócio aqui é construção, obra e empreiteira.
Isso é que faz a cidade morta ficar viva de riqueza.
Atrai muitos empregos natimortos, que chegam com a buraqueira
E morrem em pouco tempo, ficando o caos e a poeira.

Todos unidos, mortos, sem agonia,
Seria a paz tumular a reinar sem burocracia.
Para que tanta licitação, concurso e auditoria?
Se todos concordam numa só voz:
O bom mesmo é micareta e morto com alegria.

Morto em estado de emergência: é o lema de Severina.
Em vez de ficar agonizando, o povo da periferia
Deveria estar é rezando, pois se não fosse a morta em vida,
Estaria no comando da cidade um defunto coronel
Que ainda assombra a cidade, trancado num mausoléu.

Dizem que a todos persegue, mas não se vê a sua ossada.
É dos mortos o mais vivo, cava cova dos defuntos,
Mas não fica com as mãos manchadas.
Para isso tem sempre por perto um morto burro
Que por troca de vintém, pensando que é o sabido,
Compra a briga que não é sua e por dinheiro leva murro.

Quem sabe os agonizantes, se tiverem mais juízo
E deixarem de besteira,
Deixem de lado o bom senso
E virem logo mortos vivos, apoiando Severina,
Recebendo cada um o seu quinhão
Pois em terra de morto vivo, e em ano de eleição,
Quem chega antes e sobe serra ganha o seu milhão.


Jacobina, 04 de Agosto de 2011
Cledson Sady
Membro da Academia Jacobinense de Letras